terça-feira, 14 de abril de 2015

Tigeladas à moda de Abrantes

A gastronomia tradicional portuguesa, como depositária de uma herança cultural, é um importante elemento caracterizador da etnografia de cada região, e quando a estudamos, entramos no mundo das carências ou das abundâncias de cada época ou estrato social.

Ao degustarmos, seja num prato de porcelana, de esmalte, alumínio, barro ou vidro, a iguaria preparada, muito nos contarão os seus condimentos, decorações ou cozeduras, das suas vidas e das suas memórias.

Não é minha pretensão, elaborar um tratado sobre Gastronomia, mas apenas fazer um pequeno percurso pela nossa História, com o cheiro e os gostos que chegam até nós e falar, necessariamente, das gentes que fizeram com que tudo o que conhecemos hoje nos faça viajar, e neste caso, até ao Concelho de Sardoal, mais propriamente em Abrantes, terra do meu Amigo Mogli. Aquele Abraço Grande Amigo.


O concelho de Sardoal situa-se numa área de confluência geográfica de três regiões distintas: o Ribatejo, o Alto Alentejo e a Beira – Baixa e, apesar de pertencer ao Distrito de Santarém, o Ribatejo poderá ser a que teve menor influência na definição da sua identidade cultural, mas sim gastronómica, situação que se sente, com particular incidência, nas suas tradições, nomeadamente no que se relaciona com a influência das artes piscatórias que se praticam no Tejo e no Zêzere.

Como todos têm conhecimento da Feira Gastronómica Anual de Santarém, onde não faltam as Tigeladas à Moda de Abrantes, um sabor intemporal nas mãos certas.


É o doce conventual mais conhecido da cidade ribatejana, distrito de Santarém. As verdadeiras tigeladas de Abrantes, feitas por quem recebeu a receita secular nascida no antigo Convento da Graça, continuam a resistir ao tempo.

Rio de Moinhos. Uma aldeia do concelho de Abrantes. Passaria despercebida ao comum cidadão, não fosse o facto de ser conhecida pela terra mãe das conhecidas tigeladas de Abrantes.

É nesta pequena aldeia do concelho abrantino, que a tradição e segredo seculares deste doce tradicional conventual, ainda mantêm viva a receita milagrosa do doce mais conhecido da região.

A família Nogueira, de Rio de Moinhos, de uma pastelaria da região, dedica-se ao fabrico de tigeladas há três gerações. As mulheres da casa sabem, de cor, grama por grama, ovo por ovo, quilo por quilo, o segredo que adoça a boca dos abrantinos e dos portugueses há mais de um século.

O nome "Tigeladas" deriva da tigela de barro onde o doce é feito. Tem de ser em tigela de barro vermelho e não pode ser vidrada nem levar qualquer gordura. Trata-se de um doce muito sensível e que precisa de formas especiais para ficar perfeito.
Na realidade há regiões com outras tigeladas, distinguindo-se entre si pela confecção e pelo sabor,mas que em nada se comparam às originais.


Recorde-se, que a região de Santarém, é uma das herdeiras das tradições doceiras dos conventos que outrora existiam no Ribatejo. Nas cozinhas dos conventos da Esperança ou da Graça, em Abrantes, nasceu a famosa tigelada da cidade (um dos muitos doces conventuais que por ali se podem apreciar e que incluem a não menos famosa «Palha», confeccionada com fios de ovos soltos).


Reza a história que foi uma senhora que aprendeu o segredo das tigeladas há quase um século, através de uma sua amiga de nome, Verdiana, que fora lavadeira de um convento de Abrantes (Convento da Graça – demolido em 1902) onde aprendeu o segredo do doce, com as freiras.
Foi assim que começaram a fazer tigeladas em Rio de Moinhos e o segredo passou de geração em geração até aos nossos dias.

Para quem ainda tem paciência para continuar a ler este meu Post, pasme-se.

O manuscrito do Livro "Cozinha da Infanta D. Maria", apresenta-se como um dos primeiros registos escritos da Gastronomia Portuguesa, que começou a ser escrito no século XV e muitas das suas receitas reflectem uma grande antiguidade trazida até aos dias de hoje.


Apresenta-se repartido em quatro secções ou cadernos:

“Caderno dos Manjares de Carne”; “Caderno dos Manjares de Ovos”; “Caderno dos Manjares de Leite”; “Caderno das Cousas de Conservas” (onde se inclui toda a doçaria) - que, muito provavelmente, seriam de início independentes e só mais tarde reunidos e encadernados num só volume.

Quanto à doçaria, em 1496, o Rei D. Manuel I, que algumas vezes permaneceu no Sardoal, decreta que este “mister” seja apenas desempenhado por mulheres, facto que permaneceu durante todo o século XVI.

D. João IV autoriza, então aos homens, o fabrico de “obreias” (pasta delgada de massa para colar papéis e fazer hóstias) e “alféolas” (massa de açúcar em ponto com que se fazem vários doces), mas impedindo a sua venda nas ruas, sob pena de prisão e açoites.


Mas a verdadeira arte da confeitaria estava, sem dúvida, localizada nos Conventos e, por exemplo, as Albertas, faziam arroz doce com decorações originais atravessadas por setas e cupidos; os bolos secos vinham das zonas do Beato e do Rato, Lisboa, das Trinitárias. De Chelas vinha o manjar branco, depois as Bernardas de Odivelas com o seu esplendoroso fabrico de marmelada, mas também, dos tabefes, penhascos, esquecidos e suspiros.

Com a extinção dos Conventos (1834), extinção das ordens de Cristo, como a dos templários, de Tomar, muita desta doce fabricação se perdeu, ficando-se apenas com a memória dispersa em freira que abandonaram os Conventos ou das suas criadas.

Julgo estarem neste caso as “TIGELADAS”, um dos doces mais típicos de que muitas terras se arrogam de terem sido elas as criadoras deste doce delicioso. A sua divulgação, depois de sair do segredo dos Conventos, teve origem em Alcaravela,pela minha pesquisa, sendo tradição da família Serras, uma das mais antigas daquela freguesia, que a receita foi para ali levada por uma sobrinha do Padre Canastra, que foi, durante muitos, Prior da freguesia de Santa Clara de Alcaravela, há cerca  de 160 anos.

As “Tigeladas” são cozidas, tradicionalmente, em tigelas próprias de barro não vidrado, de que uma das receitas para uma dúzia de tigeladas é a que passo a apresentar:

INGREDIENTES
1,5 litros de leite
1 kg de açúcar
6 colheres de sopa de farinha
12 ovos 
raspa de limão q.b.
-Batem-se os ovos com açúcar, a farinha e a raspa de limão.

Adiciona-se depois o leite pouco a pouco, continuando sempre a mexer até à altura de levar ao forno, previamente bem aquecido.

As tigelas próprias para fazer estes doces já devem estar no forno e bem aquecidas antes de se lhes deitar o preparado, usando para o efeito um púcaro colocado na ponta de uma vara.

Fecha-se o forno e só decorridos 10 minutos se passa a vigiá-lo amiudadas vezes, picando as tigeladas com um palito, até este sair enxuto.

Servem-se frias, enfeitadas com folhas de laranjeira.

Na impossibilidade de se deslocar a Sardoal, Abrantes, sugiro que venha degustar ao Restaurante O Funil, esta histórica e fantástica iguaria que faz parte da história de todos os portugueses.


Poderia falar hoje de café, mas preferi algo muito mais tradicional, as Tigeladas.


 A Equipa d'O funil Funil deseja-lhe uma excelente continuação de semana, neste dia que é o Dia mundial do Café.





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